Rozymario Bittencourt
Jornalista e analista de dados especializado em tecnologias do agronegócio, com foco em agricultura de precisão, sensoriamento remoto e ciência de dados aplicada à cafeicultura. É criador de Safra do Café.
O Brasil se consolida como o maior produtor mundial de café, cultivando principalmente as espécies Arábica e Conilon (Robusta). Dada a importância global do produto e sua sensibilidade às flutuações do mercado internacional, a busca por maior eficiência na produção é constante e necessária para garantir a competitividade.
Neste contexto, a Cafeicultura de Precisão (CP), que é a aplicação da Agricultura de Precisão (AP) na lavoura cafeeira, surge como um modelo essencial de gestão. A AP é definida como uma "postura gerencial que leva em conta a variabilidade espacial da lavoura para obter retorno econômico e ambiental".
Com base em um diagnóstico realizado com cafeicultores na Bahia, um estado que se destaca pela produção de cafés de alta qualidade (acima de 80 pontos), buscamos entender: quais são as perspectivas dos produtores em relação à adoção dessa tecnologia e quais são os maiores desafios?
O estudo, que envolveu 34 cafeicultores de todas as regiões produtoras da Bahia (com taxa de retorno de 7,4%), revelou um cenário altamente promissor para a adoção da AP: 59,3% dos entrevistados afirmaram ter uma alta perspectiva de usar a AP na cafeicultura, e 26,6% indicaram uma perspectiva média.
Apesar dessa forte tendência de uso, o estudo mostrou que a aplicação da técnica ainda é relativamente baixa: 67,6% dos produtores não utilizam a AP em suas lavouras. No entanto, entre os que já adotam, 63,3% a utilizam há um período de 1 a 5 anos.
A AP possibilita a observação de diversas variáveis que influenciam a produtividade, como as propriedades físico-químicas do solo e da planta, a incidência de pragas e doenças, e a maturação dos frutos. O objetivo é alcançar uma gestão mais eficiente, econômica e ambientalmente sustentável.
O conceito chave da AP reside na compreensão da variabilidade espacial e temporal na produção agrícola. A variabilidade espacial refere-se a um dado momento, fornecendo dados precisos sobre solos, plantas, pragas ou maturação.
Esses dados permitem mapear a variabilidade e gerenciar a lavoura de forma objetiva, gerando economia de água e insumos (fertilizantes e pesticidas).
Já a variabilidade temporal refere-se a dados de um ano para o outro (ou de uma safra para a outra), o que permite a criação de mapas de comparação para análise das variáveis. Para analisar essa variabilidade, são utilizadas diversas metodologias, como a geoestatística, que utiliza conceitos como o semivariograma (para descrever a estrutura da variabilidade espacial) e a krigagem (para prever valores não medidos).
A Geoestatística já demonstrou ser uma ferramenta útil, por exemplo, para a gestão do solo em cafezais fertirrigados e na avaliação da compactação do solo.
Os benefícios da AP podem ser resumidos em dois pontos principais: ambiental e econômico. Os Benefícios Ambientais estão ligados à otimização do uso de insumos e à redução do impacto desses insumos nos recursos naturais, como na redução da taxa de aplicação de um produto fitossanitário.
Os benefícios econômicos resultam em maior retorno financeiro ou em economia de custos operacionais, como a redução no uso de insumos. Um estudo mostrou, por exemplo, que a amostragem em AP nem sempre sugere uma redução de insumos, mas indica com mais precisão a real necessidade nutricional do solo.
Em um experimento, a amostragem com variabilidade espacial resultou em uma redução de 25,7% na dosagem de Fósforo (P2O5) em comparação com a amostragem convencional.
Embora a maioria dos produtores conheça os benefícios da AP e das tecnologias digitais, o estudo apontou gargalos importantes que impedem o avanço da adoção. Em primeiro lugar, 51,7% dos produtores consideram a falta de treinamento e capacitação como um obstáculo significativo para o uso da AP e de outras tecnologias digitais.
Essa necessidade de formação é crucial, tanto para os cafeicultores quanto para os trabalhadores rurais, para que possam utilizar as ferramentas digitais disponíveis.
Pesquisadores sugerem o desenvolvimento de um currículo educacional em Agricultura Digital que atenda à demanda por habilidades de processamento, análise e interpretação de dados.
Em segundo lugar, a Conectividade com a Internet é uma barreira, sendo avaliada como mediana por 41,2% dos produtores, e 11,8% relatam não ter conexão. A precariedade do acesso à internet no meio rural brasileiro é citada como uma das principais barreiras ao avanço da agricultura digital no país.
Por fim, o estudo confirma a hipótese de que a baixa utilização da CP se deve à falta de informação sobre as metodologias de aplicação. Por exemplo, 54,5% dos produtores não têm conhecimento sobre o uso da Geoestatística, uma das ferramentas mais usadas por pesquisadores.
Ao serem questionados sobre as inovações tecnológicas, os produtores expressaram claramente onde gostariam de ver o desenvolvimento de tecnologias digitais: 74,2% gostariam que as tecnologias digitais fossem desenvolvidas para uso na colheita, uma demanda reforçada por outras pesquisas, especialmente em áreas acima de 25 hectares; 58,1% têm interesse em tecnologias para a aplicação de fertilizantes; e 54,8% desejam tecnologias para melhorar a gestão das propriedades rurais
No que tange ao manejo, 62,1% consideram que a AP é mais importante no manejo do solo, e 55,2% a consideram mais importante na colheita para a tomada de decisões.
A transformação digital nas propriedades rurais não é mais uma opção, mas um caminho essencial para tornar a cafeicultura brasileira mais competitiva. Os resultados da pesquisa confirmam que o estado da Bahia apresenta um cenário muito favorável para o avanço da Cafeicultura de Precisão.
A alta perspectiva de uso, demonstrada pelos produtores, é um incentivo tanto para o setor público quanto para o privado.
No entanto, para que essa expectativa se traduza em prática, é crucial que sejam superados os gargalos relacionados à capacitação dos cafeicultores e à melhoria da infraestrutura de acesso às tecnologias digitais, especialmente a conectividade. Iniciativas que promovam a disseminação de conhecimento sobre as metodologias de aplicação da AP são fundamentais para o desenvolvimento de uma cafeicultura mais eficiente e sustentável.
